A paternidade antifrágil

#015 - Carta sobre a fórmula da mudança e bons hábitos

Esse texto hoje é como uma carta - talvez longo demais até -, mas estou testando outro formato. Comecei e terminei a escrever em papel em formato de história.

5:07 am
Bom Jardim, Rio de Janeiro, Brasil

A acordada preguiçosa

Ontem foi a última noite em um feriado que passamos no sítio. Teve jogo do Brasil tarde da noite (para meus parâmetros), fui dormir 23h e estava 1×1 com o Uruguai.

Tinha certeza que não acordaria bem para a corrida que planejei, mas deixei a roupa preparada como de costume, a intenção é o primeiro passo.

Ao deitar, muito cansado, coloquei a fralda no Theo (ainda está na fase final do desfralde noturno). Vicente, dormindo ao lado, acordou quando mexi no irmão, e Julia logo veio fazer Vicente dormir novamente mamando.

(Esse último parágrafo descreve que nem “ir dormir” é simples para pais e mães com filhos pequenos).

À noite Theo acordou para fazer xixi. Vicente, como sempre, acordou muitas vezes para mamar. Mesmo assim senti que foi uma boa noite.

Às 5:07am meu corpo começa a despertar. É uma sensação estranha e uma conversa semi-consciente que começa a acontecer:

—“Puxa, está cedo, preciso dormir mais” - Disse eu na minha cabeça
—“mas estranho, parece que estou descansado, talvez levantar bem logo seja a melhor opção” - Retruquei eu também
—”Vou virar para o lado e voltar a dormir”
—”Parece que é mais preguiça do que cansaço, e preguiça sempre vai rolar…não tem jeito”
—”Se eu conseguir levantar e dar minha corrida me sentirei muito bem”

Eu realmente me sentia estranhamente descansado, com uma leve preguiça apenas, portanto, decidi levantar.

Fico sempre curioso com os mecanismos que fazem isso acontecer. Motivação? Disposição? Planejamento? Tenho alguns palpites que irei compartilhar, mas, primeiro, uma outra história:

Sentimentos negativos e necessidades não atendidas

Voltei da corrida às 6:26am e já ouvia meu cunhado com o filho (de 2 anos) brincando na sala. A irmã mais nova, de quatro meses apenas (um bebê), despertou antes da hora e acordou o mais velho, e, obviamente, os pais.

Eram antes das 7am e a energia da criança já pedia para o pai jogar futebol na grama, enquanto a recém-nascida trocava fralda e os pais tiravam as remelas de mais uma noite mal dormida. Talvez até a grama, com orvalho da noite ainda, estava com preguiça e estranhando esse movimento a essa hora.

Me compadeci. É uma fase muito difícil, especialmente com dois filhos. Por que a mais nova acordou o mais velho? Isso irrita. Não bastava dormir mal, ainda atrapalha os outros? Penso isso e logo apago da memória.

Apago da memória pois a criança não tem culpa de nada, um bebê tão inofensivo, como se irritar com isso? Temos que amar esse momento pois passa rápido. Essas afirmações até podem ser verdade, mas ignorar um sentimento de irritação não pode ser uma coisa boa, precisamos conseguir distinguir que não é uma coisa OU outra e sim uma coisa E outra. Fico irritado sim em ser acordado cedo E feliz de brincar com meu filho. Esse primeiro passo de reconhecer o sentimento e necessidades próprias é importantíssimo, até para não descontar ao longo do dia sem saber de onde vem.

Eu já tinha voltado da minha corrida descansado e até de banho tomado, olhando a cena me peguei lembrando meses atrás quando o Vicente era um recém-nascido e esses sentimentos e pensamentos passavam pela minha cabeça.

A ficha que caiu um dia

Conectando novamente à história da corrida, em dado momento da paternidade esses recorrentes episódios de cansaço mexeram muito comigo, mesmo sem perceber. Um dia olhei para a Julia e falei

—“então agora é isso, né?”.
—”Sim” - Sabiamente respondeu

Acho que a ficha já tinha caído para ela. Acho que as mulheres vem se modificando ao longo da gravidez e há uma maior proximidade social com o tema “ter filhos”. Nós, homens (ou ao menos falando por mim), passamos do PS4 (videogame) para a troca de fraldas de um dia para o outro.

Desde então, ao tomar consciência das minhas necessidades ou irritações, conversamos sobre as dificuldades e eu conversava mais comigo mesmo observando os pensamentos e sentimentos.

—”De onde vem essa irritação?” - Falei comigo mesmo
—”Falta de sono e cansaço”. - Respondi sem abrir a boca
—”Mas não é só isso, a noite não foi tão ruim…”

E comecei a perceber necessidades não atendidas, algumas com relação indireta às questões das privações de sono da paternidade, como, por exemplo, vontade de ver filme. Parece bobeira, mas ir identificando as necessidades não atendidas por trás de uma irritação tem resultados poderosos, afinal, a irritação não vai mudar, por que não aprender com ela?

Eu sentia falta de ver filmes, de ser mais saudável e perder peso, de jantar novamente a sós em casal, entre muitos outros. A falta de ver filmes foi muito curioso perceber, pois é a mais “boba” da lista. Entender minhas necessidades fez com que criasse acordos com a Julia para me reenergizar. Já aconteceu, por exemplo, de eu sentar para ver um filme em um domingo à noite e ela colocar um programa que gostamos para ver juntos, e, por ter a ciência da minha necessidade, pedi que fosse meu momento do filme. Comuniquei isso e ela entendeu, já sabendo das necessidades pois havíamos conversado sobre.

Ajustes necessários para ter resultados diferentes

Essa história ilustra o porque de ter começado a correr de manhã. Não foi uma ação isolada após ver um post de alguém no Instagram. Na verdade foi uma forma de atender uma necessidade no momento que sobrou do dia. Eu até nunca gostei de correr, brincava com os maratonistas que achava chato e monótono, mas, para trabalhar às 9am preciso deixar eles 8:30am nas avós ou na creche, para isso 7:50 preciso começar a arrumar e preparar eles para sair, antes disso 7h preciso começar a preparar o café pois às 7:50 Julia sai para trabalhar e comemos todos juntos por volta de 7:20am. Para ter uma margem de segurança planejei começar 5:40 e terminar 6:40 o “treino”, mas as academias só abrem 6am. Por isso, então, por necessidade mais do que desejo falei “vou testar correr na rua que não tem horário” - e deu certo.

Esse é um dos ajustes de rota que aconteceram após observar esses sentimentos e necessidades pós-paternidade. Olhando hoje parecem coisas óbvias e um estilo de vida que me agrada, mas houve um momento em que era tudo caos e irritação. Esse ajuste, dentre muitos outros, me permitiram acordar hoje 5:07am descansado e dar minha corrida. Levou tempo e muita conversa.

A fórmula da mudança pessoal - Paternidade antifrágil

Essa história toda para, ao compartilhar os aprendizados que fizeram ter uma vida mais saudável, contar o principal motivador, a mudança que os filhos trouxeram. Porém não foi apenas isso, antes deles nasceram outras decisões foram tomadas (mudança de carreira, busca pelo trabalho Home Office, etc) que apoiam o momento atual.

Parece existir uma fórmula por trás do processo de mudança e evolução pessoal:

1-Reconhecer seus sentimentos e necessidades - “O que está se passando?”
2-Criar hipóteses sobre as causas - “Por que estou assim?”
3-Buscar pequenas mudanças que resolvam as necessidades não atendidas, com diálogo interno e externo
4-Repetir sempre os 3 passos

Em se tratando dos desafios da paternidade me parecem especialmente relevante, e foi para mim, pois são temas com tabús sociais que exercem julgamento: “o bebê não tem culpa”, “tem que dar graças a Deus e ficar feliz”, entre outros.

Análise de motivadores para o bom hábito

Dito isto, e voltando aos pensamentos e curiosidade sobre qual o mecanismo que faz uma pessoa acordar 5:07am e decidir voluntariamente praticar exercícios, minhas hipóteses avaliando o que tem funcionado comigo:

1-Estar 95% descansado. Nunca será 100%, ao menos para mim, nunca acordo radiante e super animado, sempre tem uma preguiça. Precisamos, portanto, diferenciar preguiça de cansaço. O cansaço precisa ser respeitado, virar para o lado e dormir mesmo para descansar mais, e buscar a meta novamente no dia seguinte.

2-Ter intenção no dia anterior. Sempre separo a roupa no dia anterior e planejo o desejo em ir para a corrida, esse desejo fica no fundo da mente atuando como modelador. Tenho uma meta também de ir no mínimo duas vezes na semana, e isso ajuda a tornar a intenção mais forte. Essa meta é compartilhada com o treinador também, o que torna o compromisso mais forte e ajuda a me forçar, afinal não quero fracassar aos olhos do outro.

3-Ter o hábito e lembrar como será bom no retorno. Nunca (falando por mim) será divertido levantar e dar uma corrida, mas sempre me ajuda pensar como será bom ter ido, como me sentirei depois, e, no retorno, fixar o sentimento positivo que causa o bom hábito, para motivar para próximos dias.

4-Simplesmente levantar, tendo cumprido esses passos.

Não sei bem a ciência por trás disso ou da fórmula da mudança, mas é como tem funcionado para mim. Esse é o jogo mental que passo e espero que um dia ajude alguém.

Faz sentido?
Pedro M. Grillo

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