A Sociedade do Cansaço

#008 - Um manifesto para uma vida contemplativa e com menos pressão por desempenho

Vou te confessar, não dei conta essa semana de montar um texto. Trabalhei à noite por muitos dias durante 4 semanas e tudo desandou.

MAS, me dediquei a fazer o melhor possível para manter a constância, então lembrei de um texto que havia postado em 2022 no Medium e trouxe ele para cá.

Fiquei pensando se não seria uma forma de forçar, de não querer “fracassar” comigo mesmo, mas acho que esse texto tem muito sobre o que venho conversando por aqui sobre autoconhecimento e evolução pessoal.

O livro A Sociedade do Cansaço fala sobre o excesso de foco no desempenho e positividade. Pensando agora, acho até que consegui colocar em prática o que o livro fala:

  1. Ao decidir compartilhar com vocês o meu fracasso: É uma forma de abraçar a negatividade

  2. Ao não entrar em uma neura de fazer por fazer de forma mecânica apenas pela produtividade é também uma forma de pôr em prática o que o autor fala no livro. Recompartilhar esse texto me possibilita curtir meu final de semana e a noite com minha família.

Nessa carta você verá:

  • Um resumo em 150 caracteres

  • Como o autor escreve e estrutura o conteúdo (+ imagens para folhear)

  • Os principais argumentos do livro (capítulo por capítulo)

  • E daí? Para que pode servir?

>>Sempre que estiver em itálico e com esse símbolo (>>) antes é porque são considerações minhas e não do autor.

Sobre o livro, tem tido uma tendência de alta nas procuras desde 2019 (quem sabe a pandemia influenciou?). Eu particularmente não tinha ouvido falar e por indicação de um conhecido (Obrigado, Lula!) me instigou a ler e compartilhar mais sobre ele.

Então, a leitura é grande, talvez com termos um pouco confusos, mas espero que gostem da provocação.

1. Resumo em 150 caracteres

Se tivesse que resumir o principal argumento do livro em uma frase:

O excesso de positividade da atual sociedade do desempenho está nos esgotando e causando problemas psíquicos, precisamos recuperar o tédio e a celebração na nossa sociedade.

2. Como está estruturado o conteúdo

Vou aqui apresentar o esqueleto do livro e como o autor entrega o conteúdo. O livro é bem pequeno (coloquei até uma foto com a mão para ver a proporção), tem 128 páginas se divide em 7 capítulos e dois anexos.

É um livro rápido de ler mas denso, daqueles que faz refletir e ir e voltar algumas vezes, sem “resumos óbvios”. Tem um caráter teórico e não busca trazer respostas práticas, quase como um manifesto que leva à ação pela reflexão.

3. Os principais argumentos e conceitos

O excesso de positividade (Capítulo 1 — Violência neuronal)

No século passado era muito mais óbvio o que nos fazia mal: bactérias, inimigos, guerras, fronteiras…era muito mais claro, era uma época de ataque e defesa, uma época “imunológica” onde para nos proteger criávamos barreiras contra a negatividade de fora. Os problemas, portanto, eram inimigos externos e bem visíveis ou sensíveis.

Atualmente porém vivemos uma época de abundância, de “obesidade de todos os sistemas”. Uma sociedade pacificada de uma forma geral, onde democracia e liberdade predominam, uma época “pobre de negatividades” onde na verdade sofremos com o “excesso de positividade” que causa problemas neuronais (mentais).

Todo o aumento de ansiedade, depressão e etc segundo o autor são decorrência de algo silencioso e invisível, que agora não vem mais de perigos externos, mas sim algo sistêmico e de uma cobrança interna, uma “queima do eu por superaquecimento” que causa uma “massificação do positivo”.

>>É um paradoxo, mas faz sentido se pensarmos que não existe não ter problemas, mas sim que evoluímos e temos novos problemas, diferentes dos anteriores…

Sociedade do desempenho (Capítulo 2 — Além da sociedade disciplinar)

A sociedade do século passado era uma sociedade disciplinar, marcada por muros e barreiras. Prisões, asilos, fábricas, universidades…Uma sociedade da negatividade, onde o controle, punição, exclusão eram o foco.

Atualmente vivemos na era do conhecimento, e o autor chama de sociedade do desempenho. Uma sociedade onde todos podem ser o que quiserem (“yes, we can”), o poder ilimitado impera — o empoderamento individual.

No lugar de proibição, mandamento ou lei, entram projeto, iniciativa e motivação. (…) Para elevar a produtividade a “positividade do poder é bem mais eficiente que a negatividade do dever”. O poder, porém, não cancela o dever. p25

A sociedade da negatividade gerava loucos e delinquentes, a sociedade da positividade gera depressivos e fracassados.

“O sujeito do desempenho está livre da instância externa de domínio que o obriga a trabalhar ou que poderia explorá-lo. É senhor e soberano de si mesmo”.

Mas a queda da dominação não leva à liberdade, mas faz com que liberdade e coação andem juntas — uma liberdade coercitiva. “O excesso de trabalho e desempenho agudiza-se em uma auto exploração. Essa é mais eficiente que uma exploração do outro, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade. O explorador é ao mesmo tempo explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos.

Os adoecimentos psíquicos da sociedade do desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal. p30

>>Como vivemos imersos já na sociedade de desempenho talvez não tomemos conhecimento dessa mudança, mas é interessante olhar para isso. Muitas discussões atuais permeiam esse tema: A Gig Economy, os direitos dos trabalhadores no caso de entregadores de aplicativos, o “mito do empreendedorismo”…Vivemos em uma era onde a CLT faz-e-não-faz sentido, picos de depressão e burnout, um momento singular que a filosofia ao meu ver cai como uma luva para nos aterrar.

O tédio profundo (Capítulo 3)

O excesso de positividade e essa obesidade dos sistemas atuais, gera um excesso de estímulos, informações e impulsos. Isso leva à falta de foco, destrói a atenção e faz com que sejamos “multitarefa”.

O autor faz um paralelo interessante, que a multitarefa não é um progresso civilizatório, mas sim um retrocesso, pois a multitarefa está disseminada em animais em estado selvagem (mastigar, cuidar para não ser comigo, olhar a prole ao mesmo tempo..etc), uma vigília ativa.

O animal não pode mergulhar contemplativamente no que tem diante de si. p32

Estamos, portanto, evoluindo na sociedade do desempenho, mas fragmentando nossa atenção e paradoxalmente mais próximos de animais selvagens e longe do que seria importante para o “bem viver”. Ao invés de uma atenção profunda, necessária, temos a ‘hiper atenção’ dispersa que muda o foco em segundos.

O autor fala que se o cansaço que vivemos é mental, não mais físico, precisamos descobrir como pausar e resetar para nos curar:

Se o sono perfaz o ponto alto do descanso físico, o tédio profundo constitui o ponto alto do descanso espiritual. Pura inquietação não gera nada de novo. Reproduz e acelera o já existente. p34

>>Que insight fantástico, e faz todo sentido! Quem nunca acordou à noite pensando em algo do projeto em andamento? O excesso de trabalho ou de atenção não é tratado com descanso do corpo apenas, mas sim da mente por meio de um “tédio profundo”, que me lembra o conceito do ‘ócio criativo’, do Domenico de Masi.

Segundo o autor por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie. E precisamos fortalecer no caráter da humanidade o elemento contemplativo.

No estado contemplativo “saímos de nós mesmos e mergulhamos nas coisas”. Sem esse “recolhimento contemplativo, o olhar perambula inquieto de cá para lá e não traz nada a se manifestar”. No capítulo seguinte (Vida Ativa — Capítulo 4) o autor continua e tem um provérbio interessante:

Jamais se é tão ativo como quando, visto do exterior, aparentemente nada se faz, jamais se está menos só do que quando se está só na solidão consigo mesmo” — Cato, p 49

Então esses dois capítulos são um manifesto por uma vida menos ativa, para uma vida contemplativa.

>>O que seria um tédio profundo para você? Se lembra quando se viu nesse estado pela última vez?

>>Eu sinto um pouco isso quando olho paisagens muito grandes, ficar olhando uma floresta por um tempo, ou as estrelas ou a lua cheia em uma noite sem nuvens. Talvez cada pessoa tenha seu modo de se “entediar” para se reabastecer. Me lembro do meu sogro dizendo que quando está no sítio olhando o pasto se sente recarregando as baterias, acho que ele acertou em cheio sobre a vida contemplativa.

Pedagogia do ver (Capítulo 5)

No capítulo 5 o autor comenta que a ‘vida contemplativa’ pressupõe uma pedagogia específica do ver, ou seja, precisamos ‘aprender a ver’ novamente o mundo com novos olhos:

“Habituar o olho ao descanso, à paciência, ao deixar-aproximar-se-de-si, isto é, capacitar o olho a uma atenção profunda e contemplativa, a um olhar demorado e lento.” p51

Uma vida ativa é aquela que nos deixamos levar por todo e qualquer estímulo e impulso, acaba gerando uma passividade e uma coerção que de nada tem de livre.

A vida contemplativa por outro lado não é “um abrir-se passivo que diz sim a tudo que advém e acontece. Ao contrário, ela oferece resistência aos estímulos opressivos e intrusivos,(…) sabe dizer não.”

Sem essa limitação o “agir se deteriora numa reação e ab-reação inquieta e hiperativa. A atividade pura nada mais faz do que prolongar o que já existe”.

Porém, esse limite ou o “dizer não”, o hesitar em começar, não representa uma ação positiva, mas precisamente por isso precisamos recuperar, se lembram? Estamos em uma época pobre em negatividades.

Segundo o autor há duas formas de potência, a positiva (do fazer) e a negativa (do não fazer). A positiva estamos acostumados, mas a negativa precisamos ser treinados.

Se existisse apenas a potência positiva (o fazer) cairíamos em uma hiper atividade fatal, de forma passiva ao mundo, que não admite nenhuma ação livre.

A potência negativa não é apenas a impotência, ou incapacidade de fazer (que é apenas o contrário do positivo). A potência negativa superaria a positiva pois essa está presa em algo.

>>A potência negativa talvez esteja na meditação, na Teoria U, na reflexão, no repensar a vida e carreira, na pergunta corajosa no ambiente de trabalho em se perguntar “faz sentido fazer isso?”. Entendo que tudo que há espaço para reflexão e “não ação” de forma intencional é a potência negativa, onde a criatividade se encontra.

>>Segundo uma pesquisa da Columbia Business School quanto mais ocupados parecemos somos vistos em uma posição maior de status e um TED Talk reflete que também nos anestesiamos pois não queremos ver de fato ou escolher outro caminho. Vivemos em uma época onde menos não é mais, onde começar é melhor do que finalizar, que paralelizar o trabalho é ‘o máximo’, onde vivemos de atos heroicos e o não fazer não é valorizado…

>>Muitas coisas conectando na minha cabeça nesse momento, o “Essencialismo”, a “Via negativa” do Taleb…me parece que tem algo muito potente mesmo nesses valores…

>>A questão porém é: como no dia a dia que valoriza o agir sermos o não agir, a potência negativa? Talvez..

  • Trazer foco no que é essencial

  • Focar em terminar as coisas mais do que começar coisas novas

  • Escutar ativamente as pessoas

  • Refletir de forma verdadeira e honesta sobre escolhas

  • Desconectar verdadeiramente do trabalho e valorizar isso com as pessoas na prática

>>Faz sentido? Interessante que a agenda de sustentabilidade do Kanban fala muito desses aspectos, tenho me apaixonado pelo método como algo que apoia o trabalho do conhecimento nessa sociedade do desempenho a ter foco e limitar o trabalho em progresso.

Ligando os pontos e a sociedade do cansaço (Capítulo 7)

Encerrando o livro o Capítulo 7 tem o título do livro: A Sociedade do Cansaço. Corrobora algo que já é sabido, que a sociedade do desempenho valoriza e nos torna “máquinas de desempenho”, visando sempre a maximização da produtividade (do fazer), o que gera um cansaço e esgotamento excessivo.

Fiz um resumo visual de como todos os pontos do livro se conectam (se quiser navegar é só acessar o link):

  • Na sociedade do desempenho o excesso de positividade cultural leva a um mundo do agir, da multitarefa;

  • Sem ter o tédio profundo ficamos imersos no agir, sem reflexões profundas ou inovações;

  • O foco no desempenho máximo aumenta a pressão em “ser o que quisermos”, a identidade flexível atual, que aliado à multitarefa leva aos problemas neuronais/psíquicos que retroalimentam o ciclo;

Diagrama sistêmico do livro (Para navegar é só acessar o link)

Para parar esse ciclo devemos:

  • Deixar entrar em nossa cultura a negatividade novamente pelo exercício da Potência Negativa e redução da multitarefa e foco disperso — o que diminuirá a pressão pela positividade;

  • Aumentar o tédio profundo e a vida contemplativa, que possibilitará inovar, trazer o “bem viver” novamente;

  • Aumentar os tempos de celebração e festa, que diferente do tempo de trabalho é um tempo de contemplação;

Ao final o autor fala de ressignificar a Sociedade do Cansaço, propondo não um cansaço solitário e isolador, mas trazendo um conceito de “Cansaço fundamental”, que inspira e faz surgir o espírito, que habilitará o homem para um “não fazer sereno”.

Uma sociedade futura que tenha a celebração, o não fazer, a vida contemplativa o tédio profundo como valores redescobertos..

4. E daí? Para que pode servir?

Um livro de valor acessível e pequeno, mesmo se você não gostar é rápido de ler! A forma de escrever não é das mais sedutoras e o capítulo 6 (O caso Bartleby) passei batido sem entender o propósito dele..

Porém, buscando entender e com uma leitura ativa tem ótimos insights que tiro, reflexões sobre o Trabalho Remoto, sobre o lado negativo de “ser quem quisermos”, porém o principal que tiro e a chave da reflexão:

O quanto valorizamos pessoas ocupadas e o quanto eu mesmo posso estar lotando minha agenda para estar ocupado apenas. O impacto do status e identidade profissional: o profissional ocupado, que entrega muito, de agenda cheia…

O livro é um manifesto à agenda mais vazia, ao não entregar tudo que aparece, a pensar na vida para além do trabalho como um lugar de festa e celebração.

É um livro profundo que até incomoda. Me incomoda o autor não trazer respostas, mas no fundo o incômodo é meu (e seu possivelmente), pois da mesma forma que somos sujeitos soberanos de nós mesmos para aceitar o paradoxo da liberdade coercitiva, talvez sejamos sujeitos e soberanos para discutir e praticar novos valores no dia a dia.

E ai, vamos refletir, liberar agenda, celebrar, contemplar?

Se você gostou e leu até aqui, me responta pra eu saber se está fazendo sentido para mais pessoas 🙌.

Quer aprofundar? Recomendo um TED Talk (8min) que fala sobre como a verdadeira liberdade está em criar o espaço para respirar, para pensar!

Dorie Clark (TED Talk) — The real reason you feel so busy (and what to do about it)

Espaço de conexões - meu download mental

Curadoria de coisas que podem fazer sentido. O que estou consumindo e dicas de links:

  • Continuo lendo o livro: Antinet Zettelkasten (sobre método analógico de gestão do conhecimento pessoal)

  • Continuo ouvindo essa playlist para focar: Productivity Music (estou viciado nessa playlist para trabalho focado)

Assuntos que salvei para ver depois e talvez interesse:

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