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A fase do "porquê" que não passou
#014 - Leia com moderação

Minha mãe, que por sinal é leitora número #1 das minhas cartas, diz que não saí da fase do “porquê”. E eu concordo.
Se é doença eu não sei, mas gosto disso. No último final de semana, em um momento sublime de ócio, me peguei pensando “como seria ser uma árvore?”.
Coisas desse tipo, que se tem vergonha de falar em voz alta, passam na minha cabeça.
Por que isso, por que aquilo? E se isso, e se aquilo?
Já adianto que esse texto hoje não busca instruir ou construir. São devaneios. Se quiser pensar em um objetivo poderia ser, talvez, entreter, enlarguecer a visão.
Você lerá sobre:
Uma reflexão sobre o que é ser uma árvore
Uma reflexão sobre o que é a realidade e o papel da linguagem
Estímulo à poesia como forma de leitura
Uma instigação que nem tudo tem utilidade, e tudo bem
Portanto caro leitor ou leitora, leia com moderação.
O Theo quando tinha 4 anos falou que uma pessoa “sabidosa” é uma pessoa que sabe tudo. Achei aquilo fantástico, inventar palavras com essa naturalidade é algo que deveria ser mais comum.
Nunca fui muito ligado em poesia, até que conheci o Manoel de Barros por meio de um professor do mestrado (obrigado, Marcos Cavalcanti!).
A poesia está guardada nas palavras - é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.
Manoel de barros fala sobre envelhecer o dia, alargar o silêncio, desenhar o cheiro das árvores e que a poesia é um inutencílio.
É difícil não se apaixonar, mantenha uma distância segura.
Língua e realidade

Conheci esse livro no mestrado. Sem dúvida o livro mais doido que já li, não sei se estamos prontos para essa conversa, ratifico que leia com moderação. Se você se inscreveu e está lendo até aqui talvez goste dessas estranhezas.
Mesmo sendo complexo e diferente, o livro me levou a reflexões sobre a realidade como nunca antes havia pensado.
O autor Vilém Flusser descreve que a língua não apenas descreve a realidade, mas ela cria a realidade. E a poesia é a forma de entrar no indizível, criar realidades.
É natural pensar que o mundo está lá fora e nós vamos crescendo e descrevendo ele como ele já existe: “Árvore”, “rio”, “pessoa”, “problema”, etc.
Porém, você está lendo em uma língua, pensando em uma língua! A língua na qual você está culturalmente inserido não só descreve a realidade mas cria a realidade.
Se os sentidos não fornecessem ao intelecto palavras organizadas em frases, o intelecto propriamente dito não existiria. O intelecto se forma aprendendo palavras.
Provavelmente você nunca pensou que pensa em português, certo? Como seria pensar em japonês?
Isso explica um pouco diferenças culturais entre povos. Não quer dizer que diferentes culturas veem a mesma realidade e descrevem com línguas distintas, são mundos mundos onde a própria realidade é diferente. Existem três grandes tipos linguísticos, e, portanto, três grandes visões de mundo:
Flexionais (como inglês e português): Formam um mundo que separa sujeito e predicado, eu e você. O mundo das línguas flexionais consiste de elementos (palavras) agrupados em situações (frases = pensamentos).
Isolantes (como japonês): O mundo das línguas isolantes consiste de uns poucos elementos (sílabas) sem significado determinado, que são usadas como pedras de um mosaico para formar conjuntos de significado (pensamentos).
Aglutinantes: Como esquimó ou aborígenes, O mundo das línguas aglutinantes consiste de superpalavras (pensamentos). A superpalavra significa, vagamente, "aquilo" que é a situação no mundo das línguas flexionais e que é significa do pela frase.
Comparando, o inglês tem uma palavra para neve: “snow”. Os esquimós tem vários significados como:
Qanik: neve que cai.
Aput: neve no chão.
Piqsirpoq: neve soprando.
Qimuqsuq: uma pilha de neve.
Me lembro de uma história que, para aborígenes na Austrália, não existe por exemplo a palavra “flauta”, na visão deles não há separação entre o objeto e o sujeito/mundo, seria algo como “objeto que quando tocado produz um som de beleza encantadora”.
O “xis” da questão é que você compreenda que nós nunca entenderemos que realidade é essa para aborígenes ou esquimós, pois eles pensam em outra língua, que produz outros significados, e, em sua maioria, seria impossível de uma tradução exata.
A realidade não existe objetivamente, nós criamos ela a partir da língua que estamos imersos. Existem tantas realidades quanto mundos linguísticos distintos.
Se a realidade não existe por si só, e estamos sempre criando e recriando por meio de conversas e a linguagem, faz muito sentido, para mim, entender sobre isso e buscar enlarguecer nossa visão de mundo.
Enlarguecendo a visão

Escuta o som desse silêncio
Estava após uma corrida matinal, em um momento de sublime ócio com uma paisagem estonteante à minha frente. Momento onde comecei a escrever em um papel esses pensamentos pouco lógicos, imaginando o que seria ser uma árvore, comparando com a racionalidade do ser humano.
A árvore não pensa. Provavelmente não sente. O que pode existir então, além do pensar e sentir?
O ser? Mas isso não é verbo, não serve para nada. Apenas ser? Um ser vivo?
Pensar, sentir, são verbos. Úteis, transformam o mundo.
De que adianta ser árvore? E por que tem que adiantar?
Ser casa para alguém, ser sombra, ser relação com outros seres. Ela não existe só - essa é a charada talvez.
Uma árvore em um fundo branco só existe como conceito. Ela existe como ser junto com outros seres. Apenas.
Esse ser-em-relação, mesmo que não “útil”, mesmo que passivo, é um grande ser vivo. Dizem que ela é inteligente, e eu concordo.
Por que, então, pensar, ver, escrever? Criar…
Nos parece natural, irresistível. Expandir, a língua, o fogo, a conversa.
Sendo natural também somos. E quando deixa de ser?
O que seria o pensar, sentir e criar não natural? Pode nos atrapalhar? Talvez sim.
Nessas horas precisamos ser mais árvores.
Na minha visão, um devaneio desses enlarguece a visão, mesmo que não seja útil. Estica os limites do pensamento, desafia o limite das palavras, e, em última análise, oxigena o intelecto.
Para que serve a poesia?
Para que serve a música? Para que serve o vento? Para que serve o som?
Em algum momento precisamos parar de pensar na utilidade das coisas, e nortear os dias por questões mais nobres, como o tamanho de coisas que uma formiga consegue carregar nas costas, ou o grau de bem estar que produz ao falar com alguém.
Por quê? Talvez alguém pergunte, cartesianamente.
Por que nem tudo tem utilidade, e, mesmo as que tem, são menos objetivas do que pensamos.
Decisões são tomadas de forma mais irracional do que parece.
Carreiras são decididas e formadas por coincidências não previstas.
Famílias se formam por acasos pouco planejados.
Como isso tudo se conecta com não sair da fase do “porquê”? Escrever estranhezas, aprender a gostar de poesia, aprender algo novo…são coisas que mantém a brasa da curiosidade acesa. Espero que, na era da Inteligência Artificial, possamos não entardecer a curiosidade nos adultos.
Se causou estranheza ou confusão, mas leu até o final, parabéns! Está aberto (a) a coisas novas, mesmo que nunca mais use para nada. Afinal, não se sabe se realmente não servirá. Talvez o que importa é o ato de ouvir, não sei. Mas, por hoje, paramos por aqui.
Essas estranhezas te interessam de alguma forma?
Espero que tenha um ótimo domingo!
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